A primeira consulta de Psicologia pode ser constrangedora. Não é por acaso que ouço algumas vezes: “não sei bem o que me espera”. Há quem venha com muitas expectativas e há quem venha desprovido delas. Uns procuram soluções, outros apenas conforto emocional. Todos têm em comum o facto de serem únicos, pois trazem consigo uma bagagem que só a eles pertence… como uma carga, repleta de experiências de vida e de conhecimentos que dela advêm.
Há quem tenha o porta-bagagens com diferentes malas para que esteja tudo organizado… outros parecem estar numa desorganização emocional e comportamental tamanha. Será necessário remexer tudo o que temos lá dentro (o que se conhece e não se conhece – há certos padrões de funcionamento inconscientes que refletem, por sua vez, ações e pensamentos que estão fora da perceção consciente), para se conseguir organizar de forma segura e estável em diferentes bolsas.
Esta organização depende de diferentes fatores, nomeadamente se a pessoa está disposta em remexer em todos os seus pertences. Há assuntos nunca nomeados em consulta, não por esquecimento, mas sim por não se querer tocar neles – há objetos que ficaram tão lá no fundo (conflitos e ansiedades há muito existentes), naqueles cantos em que é difícil aceder –, por causarem sofrimento (sentimentos que são dolorosos causam desassossego, despoletam medo… A pessoa sente-se vulnerável, o que a leva a focar-se em factos ao invés de sentimentos – é um mecanismo de defesa –, porque é sobre os factos que quer falar, visto que lhe transmite uma sensação de segurança e controlo… uma falsa segurança), por vezes, os objetos também ficaram meio escondidos atrás de outros (parece surgir, em consulta, alguma emergência em falar sobre determinados assuntos, deixando outros para trás), ou até por desconhecimento (os passageiros também depositam coisas – que são deles, não nossas – no nosso porta-bagagens sem termos dado por ela).
Há alturas em que a pessoa sente que entrou em modo de piloto automático. Parece que não é ela a dirigir o carro, sente que não é ela própria que mantém a rota do veículo. Apesar daquela unicidade, parecem trazer consigo uma coisa em comum: um pedido de socorro. E é aqui que entra o psicólogo, porque há sempre a possibilidade de a rota ser percorrida de maneira diferente. Enquanto conduzem, as pessoas procuram um sentido do seu percurso, o significado dos sinais emocionais; no entanto, há que ter cuidado, pois nunca trocam de posições (nunca cabe ao terapeuta a função de conduzir o carro). Como paciente e terapeuta são parceiros numa viagem exploratória, ambos trabalham em colaboração para que o paciente encontre as respostas no caminho que escolheu.
A chegada ao destino (o resultado final da terapia) vai depender – não só, mas também – da forma como o terapeuta escuta a pessoa (só assim vai compreender e perceber o significado que está por detrás daqueles objetos que ficaram camuflados por outos). Já o dizia John Powell: “Para compreender as pessoas devo tentar escutar o que elas não estão a dizer, o que elas talvez nunca venham a dizer”. A escuta ativa – a escuta isenta de juízo – é importante na mudança terapêutica e todos temos dentro de nós um potencial de mudança, mas para isso, temos de assumir a responsabilidade porque quando não nos sentimos, de modo algum, responsáveis pelas circunstâncias difíceis em que nos encontramos, como poderemos alterá-las? Assim, a meta, vai depender do percurso que a pessoa vai fazendo, da trajetória que quer seguir.
Na terapia muitos procuram soluções rápidas, mas pouco consistentes e promotoras… outros optam pela viagem fora da autoestrada, onde podem apreciar o prazer da condução, parar para apreciar a paisagem, conhecer novas paisagens. Não há caminhos certos ou errados, são apenas caminhos diferentes e em terapia, o percurso é de descoberta – dos objetos (des)conhecidos – e de desenvolvimento pessoal; é de ressignificar… de dar um outro ou novo significado (imagine o quão libertador poderá ser… percorrer o mundo pelos caminhos que cada um quer). A Psicoterapia facilita o autoconhecimento, a reorganização de pensamentos e de sentimentos e, por isso, não se trata de uma fórmula mágica…dê tempo a si, dê tempo ao processo terapêutico… cada pessoa tem o seu próprio ritmo de mudar e de superar resistências.
Nesta viagem, que bagagens emocionais transporta e que trajeto quer fazer?
Autora
Cátia Soreira, Psicóloga Clínica (CP O.P.P 25484).
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