A visão do Terapeuta Ocupacional sobre a realidade da intervenção no departamento de Medicina Física e de Reabilitação e a explicação da metáfora da segunda casa.
Quando se ouve que “hoje vou à terapia” e que a clínica de Reabilitação “é quase uma segunda casa, uma outra família”, pensa-se no dispêndio temporal ou ainda na ligação emocional que conecta a pessoa àquele local e ao seu processo de reabilitação.
Será só mesmo isso?
Nesta segunda casa, depois de conhecer os cantos, há que aproveitá-la. Viver em casa e viver a casa. É por esta máxima que o centro de reabilitação se transmuta então do que muitos pensam ser apenas um mero espaço para realizar exercícios terapêuticos ou massagem, para ser a “segunda casa”. O sítio onde (re)começamos e (re)aprendemos a realizar as atividades automatizadas do nosso dia a dia, sobre as quais antes nem tínhamos tempo para pensar ou planear.
Cada indivíduo encerra em si várias dimensões e papéis. Somos filhos, pais, mães, irmãos, netos, avós, tios, consumidores, empregadores, alunos… Desde o momento em que nos levantamos até que nos deitamos desempenhamos os mais diversos papéis e atividades que dão significado ao nosso dia a dia. Já se imaginou sem algum deles?
É por isso mesmo que a intervenção focada nas atividades da vida diária é uma parte fulcral da reabilitação.
As atividades da vida diária (como a alimentação, vestir/despir, tomar banho, ir à casa e banho e fazer transferências de posição) e as atividades da vida diária instrumentais (que englobam a preparação de refeições, telecomunicações, escrever, gestão financeira, tarefas domésticas, locomoção em transportes públicos ou conduzir) são atividades imprescindíveis que suportam as nossas necessidades básicas e as rotinas. A incapacidade em realizá-las pode remeter a pessoa para uma situação de insegurança, dependência ou qualidade de vida insatisfatória.
Papel do Terapeuta Ocupacional
Para o Terapeuta Ocupacional, cujo principal objetivo é que a pessoa se envolva nas suas ocupações significativas com elevado grau de satisfação, há que avaliar em que medida a sua nova condição influencia a sua participação. A pessoa não é vista em partes isoladas (um braço que necessita de desenvolver força, uma mão que precisa de trabalhar a destreza, um cérebro que requer treino cognitivo), mas sim como um todo (o braço que alcança a taça do pequeno-almoço do armário, a mão que precisa de assinar papéis, o cérebro que se irá lembrar da lista das compras no supermercado).
E é graças a esta visão holística do ser ocupacional que se um dia entrar no departamento de reabilitação irá ver um Terapeuta Ocupacional fazer treino orientado de atividades da vida diária. Sim, existe um espaço para simular a confeção de uma refeição com contexto e utensílios adaptados. Sim, vamos vestir e despir diferentes peças de roupa com estratégias facilitadoras ou produtos de apoio. Sim, vamos usar copos, pratos, talheres e “comida” (também conhecida por silicone terapêutico) para realizar treino de alimentação. E sim, também há espaço para intervir na gestão da medicação e financeira com o auxílio de estratégias e de treino cognitivo.
Que dúvidas não restem que não é apenas pelo tempo (não perdido, mas ganho), nem pela ligação emocional que o departamento de reabilitação é a segunda casa. O terapeuta que guia este processo percebe ainda esta segunda casa como uma representação literal: o local onde se evolui, falha, cresce e prepara por quem lá passa para o dia da saída. O dia em que se regressa a casa com a certeza de ter todas as ferramentas e estratégias para se levantar no dia seguinte, ir à casa de banho, preparar o pequeno-almoço, deslocar-se para o trabalho. Ou poderíamos dizer, realizar as atividades da vida diária.
E é através de uma das mais comuns e prazerosas atividades da minha vida diária que hoje transmito (assim espero) o significado e valor destas atividades na intervenção da Terapia Ocupacional e na vida de todos aqueles que se cruzam comigo na sua/nossa segunda casa. Até amanhã.
Autora
Mara Rocha Cunha, Terapeuta Ocupacional (C-068159188).
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