Ilusões e truques de magia emocional

“Existem pessoas que estão piores do que eu”. Este é um dos truques de magia emocional que alguns utilizam para lidar com o sofrimento. Trata-se de um truque multifacetado mas também perigoso, que no fundo tem várias funções; por um lado parece colocar o sofrimento em perspetiva, numa espécie de “deixa-te de coisas”, ou num “não penses nisso”; por outro lado parece servir como paliativo, uma pequena dose de analgésico auto-administrado, como se procurar conforto no desconforto de alguém que parece sofrer ainda mais, acabasse por aliviar as dores do próprio sofrimento; outra função parece ser a exteriorização do que faz doer, como se olhar para a dor dos outros, servisse para mitigar a própria dor. Mas como em todos os truques de magia, o segredo que faz com que as coisas se tornem mágicas é a ilusão (o engano dos sentidos ou do pensamento); é por isso que quando parece que “existem pessoas que estão piores do que eu”, isso pode não passar de mera ilusão de ótica; porque a experiência da dor e do sofrimento é sempre individual e subjetiva e por isso não pode ser avaliada numa escala comparativa.

É também uma ilusão, porque aquilo que importa não é comparar doses de sofrimento, mas saber se apesar de poderem existir pessoas que teoricamente estão “piores do que eu”, será que “estou verdadeiramente no melhor de mim”? Nos labirintos do sofrimento emocional, cada um procura o caminho de saída à sua maneira; é natural que a primeira reação perante o sofrimento seja o desespero, a tentativa de fuga ou a utilização de distratores ou algum tipo de analgésicos; mas depois do primeiro impacto, o melhor mesmo é ter um plano concreto e coerente, não colocar muita esperança nestes «truques de magia» ou procurar socorro em «ilusões de ótica»; porque de facto podem até existir pessoas a quem “pode doer mais”, mas a minha dor “é em mim que dói” e é dela “que me quero sentir aliviado”.

O meu percurso enquanto Psicoterapeuta ensinou-me que a maioria das pessoas procura ajuda precisamente porque está em sofrimento; é natural que queiram saber “porquê?”, “como é que isto passa?”, desejarem “que passe rápido”; estas perguntas para mim são como um convite para que juntos possamos começar a pensar no “como cheguei aqui?”, “como podem as coisas ser diferentes?”, “porque decidi procurar ajuda agora?”, “onde pretendo chegar?”,  e “qual a minha disponibilidade para fazer mudanças?”. Também é normal que quem está em sofrimento veja na Psicoterapia o tal truque de magia, o analgésico que de forma instantânea permita resolver todas os problemas e aliviar todo o tipo de sofrimentos; mas a Psicoterapia é acima de tudo acerca de “falar a verdade das emoções”, o que está errado e faz doer tem de ser nomeado, reconhecido, aceite e transformado; a psicoterapia é quase sempre um trabalho invisível, não há resultados rápidos; por isso a persistência é uma qualidade indispensável. Uma das coisas mais valiosas que aprendi enquanto Psicoterapeuta é que as emoções muitas vezes encontram forma de se camuflar e nos iludir, levando-nos até a acreditar que quando “existem pessoas que estão piores do que eu”, isso de alguma forma pode aliviar a dor de sentir que “eu não estou nem me sinto como sempre desejei”.  

Autor

Rolando Andrade,  Psicólogo Clínico (CP O.P.P 4365).

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