Lado B da Psicoterapia

A Psicoterapia é um terreno fértil no que diz respeito ao desenvolvimento de mitos e preconceitos. Ao longo da minha carreira já fui confrontado com muitos deles, como por exemplo aquele que cresce à volta da ideia de que o Psicoterapeuta se limita a ficar a ouvir em silêncio durante a sessão. A esse mito confesso que já não dou muita atenção, porque reflete um profundo desconhecimento daquilo que é a Psicoterapia.

Nesta reflexão, quero concentrar a minha atenção noutro mito que cresce à volta desta ideia:

– Na sessão de Psicoterapia, só se fala acerca de problemas?

Para responder a esta questão é importante salientar que, como é natural, muitas pessoas me falam acerca dos seus problemas e angústias. É saudável que o façam. Revela que estão comprometidos com o processo e disponíveis para a mudança.

No entanto, também procuro que me falem das suas felicidades e conquistas, porque os Psicoterapeutas não se limitam a ouvir aquilo que causa sofrimento aos seus pacientes. Isso seria redutor e simplista, e acabaria por impossibilitar as transformações emocionais e comportamentais necessárias.

Tal como acerca dos problemas, é igualmente importante ouvir aquilo em que os pacientes sentem realizados e competentes, porque é aí que muitas vezes as revelam a sua capacidade de colocar em prática uma série de comportamentos que podem ser promotores de saúde, bem estar e qualidade de vida.

Independentemente do seu nível de sofrimento, todos os que procuram a Psicoterapia têm algo que os liga à vida, ou não estariam à procura de ajuda.  De certa forma, todos desejam libertar-se daquilo que os aflige, procurar um sentido, iniciar ou retomar determinados projetos, ou aliviar o seu sofrimento.

Consoante o seu objetivo, na Psicoterapia existem dois tipos de pacientes. Aqueles que procuram uma espécie de bengala, um pouco de suporte, que só querem falar, e que rapidamente se apercebem que falar e saber que se é escutado, é das coisas mais importantes e transformadoras a que alguém pode ter acesso.
Outros desejam conhecer-se, procurar tratamento para uma patologia, ou desenvolver-se e crescer enquanto pessoas.

No fundo, quem procura ajuda vai em busca daquilo que todos desejamos: alguém que nos escute sem juízos de valor, preconceitos ou acusações, onde possa encontrar liberdade para se exprimir de forma genuína, sem defesas nem disfarces.

Por vezes a vida destas pessoas é de certa forma trágica. É por isso que não é de ânimo leve que me comprometo com um processo de Psicoterapia. Estou consciente que as angústias e sofrimentos de cada um são sempre propriedade privada, e podem ser o seu bem mais precioso, guardado tantas vezes em segredo, em cofres íntimos, locais seguros e bem protegidos, onde muitas vezes nunca ninguém teve acesso.

Quando alguém me abre esses cofres, revelando o que lá está guardado, é importante estar preparado para acolher e cuidar bem do seu conteúdo. Essa pessoa deposita toda a confiança em mim. Sei que por vezes ao fazê-lo se sente frágil, com medo, insegura, desprotegida, quase como se fosse pequenina e assustada como uma criança acabada de nascer e revelada ao mundo.

Assim como não existem pessoas que sejam uma espécie de potes de ouro no fim do arco-íris, daquelas que parecem albergar em si toda a magia do sucesso e da felicidade, também não existem pessoas que sejam como caixas de pandora, que albergam em si todos os males do mundo.

É por isso que a resposta à pergunta inicial deste texto é claramente não, na Psicoterapia não se fala apenas de problemas, mas também não deve ser o seu objetivo mostrar o lado positivo de qualquer história.

Como em todas as relações terapêuticas, é fundamental ser genuíno quando se empatiza com o sofrimento individual, porque qualquer tipo de sofrimento humano é sempre propriedade privada, é pessoal e intransmissível, no sentido em que é subjetivo, e assim sendo deve ser respeitado na forma única como se apresenta.

Ao mesmo tempo é fundamental estar atento aquilo que existe em cada um e que pode ter potencial de transformação, criatividade e crescimento, uma vez que é isso que permite a cada pessoa ser um agente ativo do seu bem estar.

É por isso que na Psicoterapia não se fala só acerca de problemas.

Autor

Rolando Andrade,  Psicólogo Clínico (CP O.P.P 4365).

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