Perturbações dos sons da fala

Importância de uma Intervenção Precoce

Para que uma comunicação seja efetiva, são necessárias capacidades de perceção e produção dos sons da fala. Desde o nascimento, a criança é exposta a um grande reportório de sons resultantes do meio ambiente que a rodeia, incluindo as cadeias fónicas que lhe são diretamente dirigidas. A decifração das mensagens contidas nesses sons passa, em primeiro lugar, pela identificação dos sons da fala e, seguidamente, pela capacidade de extrair significado das sequências de sons ouvidas. A aquisição fonológica é assim um processo gradual que assenta no processamento auditivo, em que a criança recebe, compreende e atribui significado à informação. (1,2,3,4)

As crianças com perturbações dos sons da fala podem demonstrar dificuldades na perceção da fala, na articulação dos sons e/ou na representação fonológica dos sons da fala podendo, assim, apresentar dificuldades na comunicação. (1,5,6,7)

A que se referem então as perturbações dos sons da fala?

O sistema de classificação das perturbações dos sons da fala abrange cinco subtipos, nomeadamente: perturbação articulatória, dispraxia, perturbação fonológica consistente, perturbação fonológica inconsistente e atraso fonológico. Este sistema é baseado na distinção entre atraso do desenvolvimento ou desenvolvimento desviante, erros articulatórios e erros fonológicos e a consistência dos erros. (8,9)

A articulação refere-se à totalidade dos processos motores envolvidos no planeamento e execução da fala. Os erros fonéticos podem ocorrer no desenvolvimento normal contudo, por volta dos 7 anos de idade, as crianças devem ser capazes de produzir todos os fonemas e combinações de sons. Deste modo, a perturbação articulatória é caracterizada por substituições, omissões, distorções e adições de fonemas, bem como pela incapacidade de produção de uma versão percetualmente aceitável do fonema, isoladamente ou em qualquer contexto fonético. (10,11,12)

A dispraxia apresenta-se como uma perturbação motora da fala, na qual a precisão e consistência dos movimentos essenciais a um discurso inteligível estão perturbados, na ausência de défices neuromusculares. Os processos fonológicos, por sua vez, podem ser classificados em processos de estrutura silábica, processos de substituição e processos de assimilação, existindo processos fonológicos típicos do desenvolvimento infantil e comuns no Português Europeu:

  • Perturbação fonológica consistente, caracteriza-se pela coocorrência de erros típicos do desenvolvimento normal e de processos fonológicos atípicos.
  • Perturbação fonológica inconsistente, manifesta-se pela presença de erros típicos do desenvolvimento normal e de processos fonológicos atípicos e, também, por uma produção variável da mesma palavra igual ou superior a 40%.
  • Atraso fonológico, os processos fonológicos presentes na fala da criança são típicos de crianças com desenvolvimento linguístico dito normal cronologicamente mais novas. (11,12,13,14,15)

Crianças com perturbações dos sons da fala de base fonológica além de apresentarem alterações no armazenamento e na representação da informação fonológica no léxico mental, podem mostrar alterações na forma de acesso ou de recuperação cognitiva da informação. Muitas vezes demonstram um pobre conhecimento do sistema fonológico e um atraso no desenvolvimento da organização segmental desse sistema, tendendo a demonstrar dificuldades na consciência fonológica. (1,5,6,7,16,17)

Por volta dos 3 anos de idade, o processo de desenvolvimento da discriminação está concluído, emergindo a consciência fonológica – a capacidade de reconhecer e manipular os sons da língua separadamente dos símbolos escritos. (18,19 20,21)

A maioria das crianças atinge níveis mínimos de consciência fonémica antes do ensino formal da leitura e escrita. Assim, as crianças na idade pré-escolar devem ser capazes de identificar o som inicial de palavras e palavras que rimam. A consciência fonológica, como a capacidade de identificar os sons da fala, identificar rimas, fusão e segmentação de palavras, entre outros, são a base para o desenvolvimento da correta aquisição da literacia. Dentro do domínio da consciência fonológica, a consciência dos fonemas é o maior preditor de sucesso na leitura e escrita. (22,23)

Uma vez que as crianças com Perturbações dos Sons da Fala de base Fonológica demonstram reduzidas capacidades de consciência fonológica e de conhecimento das letras relativamente aos seus pares, apresentam maior risco de posteriormente manifestarem Perturbações Específicas da Leitura e Escrita. Torna-se, assim, importante uma intervenção precoce.

A Terapia da Fala

A Terapia da Fala vem favorecer a resolução das confusões que possam existir, ao nível do desenvolvimento fonológico, permitindo que a criança memorize o padrão correto da palavra para que possa aceder ao seu léxico, evocar essa palavra, criar estruturas frásicas e desenvolver uma correta aquisição da leitura e escrita.

Autora

Jéssica Pina, Terapeuta da Fala (C-045905177).

Revisão da Literatura

1. Athayde, M., Mezzomo, C., & Mota, H. (2008). O acesso ao léxico em crianças com desenvolvimento fonológico normal e desviante. Letras de Hoje, 43, 54 – 60. Retrieved from http://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/fale/article/viewFile/5610/4085

2. Cielo, C., Kaminski, T., & Mota, H. (2011). Consciência Fonológica e Vocabulário Expressivo em Crianças com Aquisição Típica da Linguagem e com Desvio Fonológico. CEFAC, 813 – 824. Retrieved from http://www.scielo.br/pdf/rcefac/v13n5/47-10.pdf

3. Rebelo, J. (2001). Dificuldades da Leitura e da Escrita em Alunos do Ensino Básico. Porto.

4.Sim-Sim, I. (1998). Desenvolvimento da Linguagem. Lisboa.

5. McLeod, S., Verdon, S., & Bowen, C. (2013). International aspirations for speech-language pathologists’ practice with multilingual children with speech sound disorders: Development of a position paper. Journal of Communication Disorders, 46(4), 375–387.

6. Namasivayam, A., Pukonen, M., Goshulak, D., Yu, V., Kadis, D., Kroll, R., Tung, E., & Nil, L. (2013). Relationship between speech motor control and speech intelligibility in children with speech sound disorders. Journal of Communication Disorders, 46(3), 264–280.

7. International Expert Panel on Multilingual Children’s Speech (2012). Multilingual Children with Speech Sound Disorders: Position Paper. Bathurst, New South Wales, Australia: Research Institute for Professional Practice, Learning & Education (RIPPLE), Charles Sturt University.

8. Dodd, B. (1995). Differential Diagnosis and Treatment of Children with Speech Disorder. London: Whurr Publishers Ltd.

9. Lewis, B. A., Freebairn, L. A., Hansen, A. J., Stein, C. M., Shriberg, L. D., Iyengar, S. K., & Gerry Taylor, H. (2006). Dimensions of early speech sound disorders: A factor analytic study. Journal of Communication Disorders, 39(2), 139-157. doi: 10.1016/j.jcomdis.2005.11.003.4.

10. Tung, L., Lin, C., Hsieh, C., Chen, C., Huang, C., & Wang, C. (2013). Sensory integration dysfunction affects efficacy of speech therapy on children with functional articulation disorders. Neuropsychiatric Disease and Treatment, 9, 87 – 92. doi: 10.2147/NDT.S40499.

11. Macias, M., & Wegner, L. (2005). Speech and Language Development and Disorders Current Management in Child Neurology (3 ed., pp. 225-231). Hamilton: BC Decker Inc.

12. Crosbie, S., Holm, A., & Dodd, B. (2005). Intervention for children with severe speech disorder: A comparison of two approaches. International Journal of Language & Communication Disorders, 40(4), 467–491.

13. Smit. (2004). Articulation and Phonology Resource Guide for School-age Children and Adults. USA: Thomson Learning.

14. Mendes, A., Afonso, E., Lousada, M., & Andrade, F. (2013). Teste Fonético-Fonológico – Avaliação de Linguagem Pré-Escolar. Aveiro: Edubox S.A.

15. Bowen, C. (2009). Children’s Speech Sound Disorders: Wiley-Blackwell.

16. Dodd, B., & Bradford, A. (2000). A comparison of three therapy methods for children with different types of developmental phonological disorder. International Journal of Language & Communication Disorders, 35(2), 189-209.

17. Rvachew, S., Nowak, M., & Cloutier, G. (2004). Effect of phonemic perception training on the speech production and phonological awareness skills of children with expressive phonological delay. American Journal of Speech and Language Pathology, 13(3), 250-263. doi: 10.1044/1058-0360.

18. Arancibia, B., Bizama, M., & Sáez, K. (2012). Aplicación de un programa de estimulación de la conciencia fonológica en preescolares de nivel transición 2 y alumnos de primer año básico pertenecientes a escuelas vulnerables de la Provincia de Concepción. Revista Signos. Estudios de Linguistica, 45(80), 236-256. Disponível em http://www.scielo.cl/scielo.php?pid=S0718-09342012000300001&script=sci_arttext.

19. Sari, B., & Acar, E. (2013). The Phonological Awareness Scale of Early Childhood Period (PASECP) Development and Psychometric Features. 13(4), 2209-2215. Disponível em www.edam.com.tr/estp doi:10.12738/estp.2013.4.1793.

20. Degé, F., & Schwarzer, G. (2011). The Effect of a Music Program on Phonological Awareness in Preschoolers. Auditory Cognitive Neuroscience, 2. doi: 10.3389/fpsyg.2011.00124.

21. Anthony, J., & Francis, D. (2005). Development of Phonological Awareness. Current Directions in Psychological Science, 14(5), 255-259. doi: 10.1111/j.0963-7214.2005.00376.x.

22. Otaiba, S., Puranik, C., Zilkowski, R., & Curran, T. (2009). Effectiveness of Early Phonological Awareness Interventions for Students with Speech or Language Impairments. The Journal of Special Education, 43(2), 107-128. doi: 1177/0022466908314869.

23. Tyler, A., Gillon, G., Macrae, T., & Johnson, R. (2011). Direct and Indirect Effects of Stimulating Phoneme Awareness vs. Other Linguistic Skills in Preschoolers With Co-occurring Speech and Language Impairments. Topics in Language Disorders, 31(2), 128-144. doi: 10.1097/TLD.0b013e318217d473.

Outros artigos

Siga-nos