O papel de uma equipa multidisciplinar na recuperação de funcionalidade após infeção
A COVID-19 é uma doença causada pelo coronavírus (SARS-CoV-2), que apresenta um espectro clínico variando de infeções assintomáticas a quadros graves. De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), cerca de 80% dos pacientes com COVID-19 podem ser assintomáticos ou apresentar sintomas ligeiros a moderados. 20% dos infetados apresentam sintomas mais graves, normalmente pessoas com mais de 65 anos e com comorbidades como doenças cardiovasculares, diabetes e doenças respiratórias crónicas. Cerca de 30% das pessoas infetadas com COVID-19 necessitam de hospitalização, e destas, 20% necessidade de internamento em unidades de Cuidados Intensivos.(1,2)
Sequelas nos doentes recuperados de COVID-19
Sabe-se que o internamento prolongado pode provocar diferentes sequelas potencialmente graves, incluindo respiratórias, cardiovasculares, cognitivo-comportamentais, cutâneas, neuromotoras, músculo-esqueléticas, na deglutição e fala, genito-urinárias e dor.(3) A Sociedade Britânica de Medicina de Reabilitação refere que as complicações mais frequentes em pessoas recuperadas da doença COVID-19 são:
- Descondicionamento cardiovascular, pulmonar e musculoesquelético;
- Doença pulmonar restritiva;
- Perturbações afetivas (depressão, ansiedade, perturbação de stress pós-traumático);
- Síndrome pós-tratamento em cuidados intensivos (polineuropatia, miopatia e uma combinação destas);
- Outras consequências neurológicas do vírus e internamento em cuidados intensivos (encefalopatia, disfunções cerebrovasculares e hipóxia cerebral);
- Estado confusional agudo, pelo menos nos estágios iniciais;
- Fadiga;
- Défice cognitivo.(4)
A literatura mostra-nos que, em todas as faixas etárias, os sobreviventes de síndrome de dificuldade respiratória aguda (ARDS), frequente encontrada em doentes COVID-19, permanecem com sequelas físicas e psicológicas, que afetam a sua qualidade de vida, até 5 anos. Verifica-se ainda que 48% dos pacientes não voltam ao trabalho 1 ano após a alta hospitalar e que 32% dos pacientes morrem em 5 anos. (1)
Retorno à vida diária
De forma a promover o retorno às atividades da vida diária é recomendado, após alta hospitalar, a participação em programas de intervenção multidisciplinar, centrados na capacitação funcional global do doente, com vista a potenciação da autonomia e reintegração sociofamiliar. (1,3) A integração nestes programas de reabilitação é também recomendada para aqueles que nunca foram admitidos em meio hospitalar, mas que, 1 a 2 meses após recuperação de COVID-19, ainda apresentem sintomas ou alguma das disfunções acima referidas.(4)
O papel da Fisioterapia na reabilitação do doente recuperado de COVID-19
O Fisioterapeuta, como parte integrante das equipas multidisciplinares, tem um papel relevante na avaliação e tomada de decisão personalizada sobre a intervenção em casos de COVID-19, nomeadamente, pacientes com tosse produtiva (com secreções) e incapacidade de eliminação autónoma, mas também no desenvolvimento e aplicação de estratégias que visem a diminuição da sintomatologia, a promoção da tolerância ao esforço, da atividade física e da funcionalidade, e o aumento do conhecimento para melhor gerir a doença.(2,5)
O Grupo de Interesse em Fisioterapia Cardiorrespiratória da Associação Portuguesa de Fisioterapeutas, recomenda Fisioterapia respiratória aos doentes que ainda apresentam:
- Disfunção respiratória ou muscular periférica;
- Baixa condição física;
- Dificuldades respiratórias após o exercício;
- Atrofia muscular (inclusive dos músculos respiratórios e musculatura do tronco);
- Distúrbios psicológicos como o stress pós-traumático.
Esta recomendação inclui doentes COVID-19 após a alta hospitalar ou convalescença domiciliária, com o principal objetivo de recuperar a condição física e facilitar a adaptação psicológica, integrando a pessoa na sociedade o mais rapidamente possível. (6)
O CMM oferece serviços médicos (Fisiatria, Pneumologia, Cardiologia, entre outras) e de reabilitação (Fisioterapia, Terapia Ocupacional, Terapia da Fala) abrangentes, em diferentes unidades distribuídas geograficamente, de forma a responder às necessidades específicas de cada utente.
Para além disso, e de forma a permitir uma maior abrangência e facilidade de acesso aos doentes, poder-se-á se possível e indicado, realizar a sua intervenção recorrendo à telefisioterapia (reabilitação de pessoas à distância usando tecnologias de informação e comunicação). A telefisioterapia possibilita a avaliação, educação, monitorização e exercício físico. (3, 4, 6)
Estando já demonstrado que a intervenção precoce é fundamental para atingir resultados satisfatórios na recuperação da pessoa com doença ou lesão (a maioria da mudança da função física ocorre nos primeiros dois meses), a avaliação Médica e pelo Fisioterapeuta, presencial ou à distância, constitui uma resposta adequada para aumentar o acesso aos cuidados de saúde fundamentais à recuperação da pessoa com COVID-19.
Autora
Alexandra Ferreira, Fisioterapeuta (OF 7046).
Artigo revisto em parceria com o Dr. Luís Boaventura (OM 48618) , Médico Especialista em Medicina Física e de Reabilitação
Revisão da Literatura
1.Rivera-Lillo G, Torres-Castro R, Fregonezi G, Vilaró J, Puppo H. Challenge for Rehabilitation After Hospitalization for COVID-19. Arch Phys Med Rehabil. 2020;101(8):1470–1.
2. Rooney S, Webster A, Paul L. Systematic Review of Changes and Recovery in Physical Function and Fitness After Severe Acute Respiratory Syndrome– Related Coronavirus Infection: Implications for COVID-19 Rehabilitation. Oxford University Press on behalf of the American Physical Therapy Association. 2020.
3. Leandro G, Martins D, Vaz I, Rios J. The Physical Medicine and Rehabilitation Approach in COVID-19 Patients with Post-Intensive Care Syndrome in Portugal. 2020;33(11):20344.
4. Phillips M, Prof LT-S, Dr DW, Walton K. Rehabilitation in the wake of Covid-19-A phoenix from the ashes British Society of Rehabilitation Medicine (BSRM). Br Soc Rehabil Med |. 2020;(1):293196.
5. Seixas A. Posição da Associação Portuguesa de Fisioterapeutas acerca da importância da Fisioterapia no processo de reabilitação das pessoas com COVID-19 durante o internamento hospitalar e contexto domiciliário. 2020.
6. Marques A, Silva A, Dias C, Jácome C, Machado F, Cerqueira M, et al. Fisioterapia respiratória em pessoas com covid-19. 2020.
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