Saúde Mental e Sofrimento
Segundo a Organização Mundial de Saúde, os problemas de Saúde Mental representam cerca de 20% do custo directo total com a Saúde na Europa, sendo que as estimativas apontam para que 1 em cada 4 pessoas seja afectada pelo menos uma vez ao longo da vida por problemas desta natureza. Segundo esta Organização, nalguns países ocidentais os problemas de Saúde Mental são a principal causa de incapacidade para o trabalho, com consequências nas vidas das pessoas afectadas, das suas famílias e das instituições em geral.
Por outro lado, 6 dos 20 países com as taxas mais elevadas de suicídio são países Europeus. Este não é pois um assunto que possa ser descurado.
A Saúde Mental pode ser entendida como uma espécie de equilíbrio entre as exigências do meio e aquilo que somos física, psicológica e socialmente.
Quando este equilíbrio começa a ser posto em causa, os primeiros sinais são muitas vezes insidiosos, instalando-se sem que o próprio sujeito ou aqueles que o rodeiam se apercebam. Se não forem alvo de actuação atempada estes sinais podem também trazer consigo complicações ou patologias secundárias que normalmente afectam toda a vida das pessoas, desde a sua vida pessoal até ao seu trabalho e vida social.
O busílis da questão é que estas complicações secundárias são também elas muitas vezes insidiosas, instalando-se de forma lenta e gradual, até que finalmente se manifestam. E ao manifestarem-se provocam uma série de bloqueios na vida das pessoas, que se sentem impotentes, assustadas, desorientadas e não raras vezes incapacitadas, nalguns casos sem perceber muito bem como ou porquê. O não saber porquê é em si mesmo um poderoso bloqueio, porque impede as pessoas de conhecer aquilo com que se estão a debater.
Como uma planta que cresce sem nos apercebermos imediatamente do seu crescimento, algumas patologias de natureza psicológica vão ganhando dimensão e vigor, sem que muitas vezes as pessoas afectadas tenham disso consciência. Existem mesmo casos em que o próprio não admite nem aceita o apoio que necessita e que lhe é proposto; este sinal pode até ser um indicador da severidade do problema. Estas situações são extremamente complexas, uma vez que grande parte da recuperação passa pelo envolvimento activo e determinado da pessoa que está em sofrimento.
Todas as pessoas têm o direito de ser ouvidas no seu sofrimento. No entanto, os números mostram que, por exemplo, 3 em cada 4 pessoas que sofrem de Depressão na Europa não recebem tratamento adequado (Organização Mundial de Saúde). São números difíceis de explicar, explicáveis talvez em grande parte pelo estigma que se encontra ainda associado a este tipo de problemas… Ou talvez porque existe alguma tendência para olhar para as pessoas através das lentes de um diagnóstico e esquecer a sua individualidade e a subjectividade (a forma como sofre o sofrimento) própria de cada um. Ou então porque nem sempre se escuta estas pessoas sem lhes dar “lições” ou sem lhes dizer o que fazer… ou sem olhar para elas como seres frágeis e incapazes de sair da situação, como se fóssemos portadores de todas as soluções que estas pessoas precisam…
Na grande maioria das vezes as pessoas em sofrimento já têm dentro de si um manancial de potencialidades e ferramentas que lhes permite sair da situação. É nisso que nos devemos focar, escutando-as e aceitando-as na sua dor (sempre legítima) para que possam iniciar o processo de recuperação.
É com as experiências que temos ao longo da vida que construímos lentamente aquilo que somos. E um dos ingredientes daquilo que nos define é a nossa forma muito própria de experienciar as coisas, de viver e sentir cada situação como se fosse nossa… a nossa forma de ver o mundo.
Por isso, cada um de nós pode reagir de maneira distinta perante situações idênticas. Muitas vezes o que faz a diferença não é o que acontece na realidade, mas a forma como interpretamos aquilo que acontece. E é muitas vezes aqui que o equilíbrio necessário para uma Saúde Mental consistente e promotora de bem-estar é posto em causa. Quando se sentem ameaçadas no seu equilíbrio físico ou psicológico, algumas pessoas têm tendência a fugir de si mesmas para fugir daquilo que as faz ter medo ou sofrer, quando na realidade o que nos pode fazer crescer e ser mais fortes é precisamente enfrentar os nossos medos e aquilo que nos torna infelizes.
A Saúde Mental é pois uma sensação de bem-estar, baseada no equilíbrio, que nos permite agir de acordo com os nossos objectivos, tornando-nos capazes de vivenciar as experiências e as pessoas do nosso quotidiano de forma positiva, aproximando-nos de quem somos e do que realmente queremos.
Autor: Dr. Rolando Andrade – Psicólogo Clínico e Psicoterapeuta no CMM Aveiro, Estarreja e Murtosa (C.P. O.P.P 4365)