Tratamento de feridas

Tratamento de feridas – A problemática

Como enfermeira uma das situações mais recorrentes com a qual me deparo diariamente são feridas. E cada vez mais o seu tratamento e evolução são uma preocupação profissional encontrando-se esta temática em constante evolução dos seus métodos de diagnóstico e de tratamento.

O papel do enfermeiro

De acordo com MORAIS(1), o profissional de enfermagem possui um papel importante quanto ao cuidado do cliente e tem um trabalho relevante no que se refere ao tratamento de feridas, uma vez que possui maior contato com o mesmo, acompanhando a evolução da lesão, orientando e executando os tratamentos.

Através da minha experiencia com prevalência nos cuidados à ferida, e devido à crescente procura de cuidados mais diferenciados, é constatável que as feridas são um problema de saúde pública, que tem impacto na qualidade de vida dos utentes. Assim mostra-se preponderante que os enfermeiros estejam sensíveis à especificidade desta temática, como uma área multidisciplinar onde a satisfação e recuperação do cliente é primordial.

Numa rápida análise epidemiológica, observamos facilmente que o contributo e o desenvolvimento da medicina no prolongamento de doenças cronicas assistidas, assegura por longos anos a qualidade de vida, por outro lado (reversamente) surgem outras questões nomeadamente as feridas, com prevalência de forma mais elevada na população idosa. Podemos relacionar esta questão com a diminuição da capacidade regenerativa da pele, do risco de queda e da diminuída imuno-proteção, como potenciadores do risco de desenvolvimento de lesões.(2)

Classificação de feridas

Classicamente as feridas classificam-se em Agudas e Cronicas sendo etiologicamente multifatoriais. A ferida cronica é a mais impactante na vida das pessoas pois apresenta uma duração de tratamento francamente superior comparado com feridas agudas. Daí considerar importante debruçarmo-nos mais sobre esta temática. (6)

Considera-se ferida cronica qualquer ferida que necessite de tratamento por mais de 6 semanas. A origem mais frequente do desenvolvimento de feridas cronicas está relacionada com a doença vascular essencialmente nos membros inferiores (coxa e perna), e doenças cronicas associadas (ex: Diabetes Mellitus).

Acompanhamento e tratamento das feridas

A maioria dos casos clínicos que me chegam ao consultório, são situações previamente acompanhadas por outro profissional de saúde, onde o cliente sente que não alcançou os resultados esperados, não tolerou tratamento, não possuía qualidade de vida e não se sentiu confiante com o apoio prestado. O que me leva a concluir que a abordagem à ferida tem sido ainda muito executiva por parte dos profissionais, e não holística, como se requer na atualidade.

Na tentativa de otimizar o tratamento a feridas têm sido realizados ao longo do tempo muitos estudos descritivos para identificar as necessidades, seguindo critérios como “classificação da ferida, o agente causal, profundidade, forma, tamanho, quantidade de exsudato, localização, aparência e o ambiente do tratamento”. (3)

O tratamento visa a cada momento a evolução para a cicatrização e prevenção de infeção, além de que também deve assegurar a promoção da saúde geral como um todo necessário à evolução favorável, e recuperação clinica do cliente.(4)

Enquanto aluna de Enfermagem, ainda durante a minha licenciatura, cheguei a realizar um estudo onde pretendi defender a ideia de um protocolo de tratamento a feridas. Este viria a ser executado nas Unidades de Saúde onde realizei estágio clinico. Na altura a ideia foi muito bem recebida chegando a elaborar o objeto final que ajudou ao seguimento do raciocínio logico pelos profissionais, na observação de um cliente com ferida. Este protocolo/algoritmo na altura era estandardizado enquanto plano exato e detalhado de um esquema terapêutico(5) e de facto era útil, na medida em que apresentava soluções para os desafios que o tratamento a feridas apresenta relativamente à sua execução. Porém este, era desprovido de qualquer individualização e diferenciação, na abordagem ao cliente com ferida.

Hoje em dia, a minha experiencia na área, mostrou-me que esse pensamento era estático e não evolutivo, visto que tão importante quanto a adequação de produtos, assepsia, técnica, e apósitos á ferida, é necessário assegurar as seguintes premissas:

  • Anamnese + Identificar as lesões cutâneas diferenciando as feridas agudas das crónicas;
  • Identificar os diagnósticos (gerais) de enfermagem, presentes no estado clinico do cliente;
  • Constituir um plano assistencial de enfermagem holístico e multidisciplinar para cada cliente com ferida.
A atuação dos profissionais na avaliação e tratamento de feridas

Em 2017 com a colaboração de uma colega de profissão desenvolvi um ensaio (esboço literário e cientifico) que teve como objetivo geral analisar a atuação dos profissionais de Enfermagem na avaliação e tratamento de feridas. Utilizando o método de revisão e comparação de estudos científicos qualitativos e quantitativos (analise PICOD) que demonstrassem a atuação dos enfermeiros no tratamento de feridas.

De acordo com os resultados obtidos, observou-se que os profissionais têm insegurança relacionada com as técnicas e procedimentos a adotar no tratamento às lesões, não possuindo uma fundamentação teórica e científica que vá ao encontro da literatura, o que dificulta o procedimento da técnica e a recuperação do tecido lesionado(6), além de que não consideravam áreas como a vida social e familiar do cliente, auto-imagem do cliente, dor durante tratamento, gestão terapêutica, estado nutricional, estado emocional etc…

É exigido atualmente ao profissional de saúde (enfermeiro) um conhecimento vasto sobre novas técnicas de tratamento a feridas, gamas de produtos, visão holística do cliente e visão multidisciplinar. Com isto é requerida uma maior qualificação dos profissionais, que possibilite e assegure a qualidade do atendimento ao cliente portador de feridas, sendo indispensável os cursos de aperfeiçoamento, capacitação em serviço, e supervisão.

Deve-se considerar também, que apesar do crescente interesse pelo tratamento de feridas, ainda permanece no meio assistencial, uma grande desinformação sobre o assunto, o que contribui muitas vezes para o insucesso do tratamento. (7)

Em jeito de conclusão, a cicatrização depende da relação da ferida com o resto do corpo, incluindo fatores internos e externos como o estado emocional, uma nutrição adequada, o estado imunológico para a resposta ao tratamento, salientando ainda que o cuidado não deverá estar apenas direcionado para a lesão. A evolução prolongada das feridas deve merecer atenção pois exigem medidas terapêuticas personalizadas mais efetivas.

Autora

Rita Carolina Martins, Enfermeira (90590) no CMM-Estarreja: ERS Nº E136366 | Lic. Func.: 14233/2017 e CMM-Murtosa: ERS Nº E100539 | Lic. Func.: 2672/2011

Artigo revisto em parceria com o Dr. Luís Boaventura (OM 48618) , Médico Especialista em Medicina Física e de Reabilitação

Revisão da Literatura

1.MORAIS, G. F. da C.; OLIVEIRA, S. H. dos S.; SOARES, M. J. G. O. Avaliação de feridas pelos enfermeiros de instituições hospitalares da rede pública. Texto contexto – enferm., Florianópolis, v. 17, n. 1, mar. 2008.

2.ALVES P, Vales L. Perspetiva histórica do tratamento de feridas. In: Pinto E, Vieira I, editores. Prevenção e tratamento de feridas – Da evidência à prática [e-book]. 2014. Disponível em: http://care4wounds.com/ebook/flipviewerxpress.html

3.DEALEY, C. (1996) The care of wounds. A guide of nurses. Blackwell Science.

4.European Wound Management Association (EWMA). Position Document: Wound Bed

5.Preparation in Practice. London: MEP Ltd, 2004. European Wound Management Association (EWMA). Position Document: Pain at wound dressing changes. London: MEP Ltd, 2002.

 6.TIMBY, B. K. Conceitos e habilidades fundamentais no atendimento de enfermagem. 8. ed. Porto Alegre: Artmed, 2007; EAN 978-8536308470

7.BORGES, E.L. et al. Feridas: como tratar. 2. ed. Belo Horizonte: Coopmed, 2008. BRASIL. Lei n. 7.498, 25 de junho de 1986. Dispõe sobre a regulamentação do exercício da enfermagem e dá outras providências. Brasília. 2009.

8.PASSADOURO, et al, Características e Prevalência em Cuidados de Saúde Primários das Feridas Crónicas April 2016, Journal of the Portuguese Society of Dermatology and Venereology 74(1):45, DOI: 10.29021/spdv.74.1.514

9.MARIA, R.P; AUN, R.B. Projeto e implantação de um serviço de atendimento a pacientes portadores de feridas em uma instituição pública.

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